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Setor elétrico: mapeando a crise hídrica e avaliando riscos na geração de energia
O setor elétrico traz aumento no consumo de energia no Brasil impulsionado principalmente pela retomada da indústria no país. Contudo, questionamentos têm sido levantados acerca do equilíbrio entre oferta e demanda de energia. Dada a atual crise hídrica, a produção pode ser insuficiente para atender a demanda esperada, podendo levar a maiores medidas restritivas e, até mesmo, racionamento. A expectativa é que o consumo siga em um bom patamar, conforme ilustramos no gráfico a seguir.
Para o mês de setembro, a previsão de carga do sistema é de 69,5 GWm, elevação de 1,5% a/a. Os meses posteriores têm taxas variando entre 2% e 3%. Já para 2022, a expectativa ainda é de um consumo forte, com crescimento de 3%. Com isso, aumentam os questionamentos sobre a capacidade da oferta em atender esta crescente demanda.
Consideramos alguns pontos a esta pergunta:
i) A probabilidade de La Ninã tem aumentado, o que pode impactar o nível de chuvas.
ii) Queda na performance da fonte eólica em outubro, último mês do período seco, no qual acreditamos que teremos
um dos momentos de maior estresse do sistema.
iii) As medidas do regulador e seus impactos diretos e indiretos no sistema.
iv) o período úmido e o nível de utilização das térmicas que ditarão o tom de 2022. Em resumo, acreditamos que o risco de racionamento é baixo, mas podem existir apagões de forma isolada no Brasil.
Probabilidade de La Niña aumenta
A incidência de chuvas no Brasil tem sido afetada por um fenômeno conhecido por El Niño Oscilação Sul (ENOS), dividido em duas partes: El Niño e La Niña. No primeiro, nota-se um aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico tropical, causando estiagem em alguns lugares das regiões Nordeste e Norte do país. Por sua vez, o La Niña caracteriza-se por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical, o que tem gerado estiagem nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Tal fenômeno influenciou drasticamente o último período úmido, que teve início tardio em janeiro (dois meses depois) e encerrou em março de 2021, um mês antes. Com baixo volume de chuvas, os reservatórios do principal subsistema brasileiro, Sudeste/Centro-Oeste, acabou ficando bastante pressionado. Espera-se que este subsistema encerre outubro próximo a 10% de toda sua capacidade, situação bastante critica. Com isto, a atenção para o período úmido de 2021/22 redobra. Os modelos meteorológicos do CPC (Climate Prediction Center) em parceria com o IRI (International Research Institute for Climate and Society) apontam uma maior probabilidade de ocorrência de La Niña novamente. Caso tenhamos um período úmido mais curto e/ou com menor volume de chuvas novamente, podemos esperar uma situação ainda mais desafiadora para todo o ano de 2022, com maior uso das térmicas e altos custos para o sistema.
Os modelos de previsão trabalham com uma série de variáveis, tornando difícil a medição do real impacto em termos de incidência de chuvas. Em outros momentos, observou-se Lã Ninã com menores desdobramentos na capacidade de geração de energia. Contudo, ressaltamos que a hidrologia desfavorável ao longo dos últimos anos acaba intensificando qualquer fenômeno adverso.
Oferta de Energia
A matriz elétrica brasileira conta com três principais fontes: hídrica, eólica e térmica, com a solar em menor escala. Para entender a capacidade de produção total, analisemos o potencial/expectativa de cada fonte.
Eólica
A atual capacidade instalada da fonte eólica soma 19,5 GW e deve crescer cerca de 8%
ainda este ano, mas com alta concentração na região Nordeste. Um ponto importante é que a geração é mais intensa no período seco, com queda de performance no período úmido. A ONS apresenta a curva do fator de capacidade mensal histórico e ao multiplicá-lo pela capacidade instalada temos a seguinte expectativa de geração para os próximos meses:
A queda mais abrupta no início do quarto trimestre em diante indica o momento mais delicado de todo o sistema. Mesmo com a queda sazonal, salientamos que a fonte eólica é de suma importância para garantir a oferta do sistema, ajudando, inclusive a minimizar o risco de racionamento de energia elétrica. Um outro ponto de atenção, a queda de performance durante o dia, que é justamente quando a demanda apresenta seus picos de consumo.
Fonte térmica
A capacidade instalada das térmicas soma cerca de 39 MW e esperamos crescimento para este ano ainda de quase 5%. Com uma das piores hidrologias da história e insuficiência de geração hídrica, o uso das térmicas precisou ser estendido. Lembramos que ao longo do período úmido, as usinas precisam entrar em processo de manutenção. Diante disto, a ONS traçou dois possíveis cenários, considerando rodízio para paradas técnicas, com expectativa de entrega dos seguintes volumes:
O estudo do regulador traz projeções até novembro, mês no qual se inicia o período úmido. Vemos probabilidade de que haja uma atualização do estudo até meados de abril, mês de encerramento do período úmido. Em razão do extensivo uso das térmicas este ano, incluímos no radar a possibilidade de falhas ou pontos de estresse nestas usinas, podendo haver necessidade de parada não programada, comprometendo a capacidade do sistema.
Fonte Hídrica
A capacidade instalada da geração hídrica soma 115 MW, com previsão de expansão de 0,5% para o final deste ano. Contudo, com a hidrologia bem desfavorável, o potencial de produção ficou comprometido. No período seco, os reservatórios e a gestão dos mesmos são preponderantes. Como o período úmido de 2020/21 tem ficado aquém do histórico, o nível das represas está abaixo da média histórica, principalmente no maior subsistema, Sudeste/Centro-Oeste, minando o potencial geração hídrica.
Além disso, o mês de outubro deve ser o pico de estresse do sistema, em nossa opinião, com a Energia Natural Afluente (ENA) – a geração via fluxo natural dos rios – ainda em nível muito baixo, somado à queda sazonal da geração eólica e um menor despacho das térmicas (cenário B), além da estabilidade dos bons níveis de consumo de energia, podendo existir um descompasso entre oferta e demanda. Apesar de baixa a probabilidade, deixamos o risco mapeado.
Entretanto, mesmo com os reservatórios bem pressionados, entendemos que entre novembro deste ano e abril de 2022, o risco de insuficiência de produção do sistema é menor, dado que a geração hídrica deverá suprir a cadeia, mesmo que o nível de chuvas fique novamente bem abaixo da média histórica. A ENA tem volume bem maior após novembro.
Os empreendimentos no rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) e a Usina de Belo Monte são fatores que contribuem para geração hídrica no período úmido, mesmo sendo a fio d’água (não possuem reservatórios), por terem uma alta capacidade instalada, acabam gerando quantidade significativa de energia no período úmido. Já o cenário para o restante de 2022, especificamente entre maio e outubro, dependerá muito do nível de chuvas do período úmido que se inicia agora em novembro. Soma-se que a probabilidade de La Niña vem aumentado, podendo prejudicar a incidência de chuvas novamente, o que pode comprometer a recuperação do nível dos reservatórios.
Solução emergencial e poluidora
A luz no fim do túnel pode ser o despacho térmico. Mesmo com um rodízio para manutenção das usinas, a expectativa é de um despacho térmico muito acima do que é comumente realizado no período úmido. Assim, mesmo com a queda sazonal da performance da geração eólica, uma incidência de chuvas menor do que a média e manutenção de um bom patamar no consumo de energia, podemos observar uma recuperação no nível dos reservatórios, dado que a vazão dos rios entre os períodos úmido e seco é bem diferente, acrescido da maior utilização das usinas térmicas.
Medidas adotadas pelo regulador e seus impactos
Diante de todas estas variáveis, o governo deu início a medidas de forma preventiva, com o intuito de amenizar possíveis impactos e adentrar o período úmido no melhor cenário possível. O primeiro, talvez o mais importante programa até agora, foi oferecer incentivos para a redução voluntária da demanda aos players do Ambiente de Contratação Livre (ACL). De forma ampla, os grandes consumidores de energia podem, ao reduzir o consumo, vender esta mesma quantidade para o sistema, com o preço estabelecido semanalmente, mediante oferta mínima de 5 MW. Observamos de forma muito positiva tal medida nos atuais tempos de crise, dado o alívio à parte da carga do sistema.
Adicionalmente, vimos medidas visando à expansão da oferta, como contratação de usinas que estavam descontratadas, postergação da manutenção das usinas que estavam operando há certo tempo e importação de energia de países vizinhos, principalmente Uruguai e Argentina. Entendemos que existe um trade-off importante: ao passo em que a oferta se expande desta forma, os custos de geração evoluem rapidamente, dado que esta é uma energia relativamente mais cara.
O governo também apresentou metas de redução do próprio consumo. O objetivo é diminuir os gastos com eletricidade entre 10% e 20%, de set/20 até abr/21, em relação a média de consumo em 2018/19. São mais de 20 mil estabelecimentos próprios e quase 1500 alugados. As metas terão acompanhamento mensal, tendo que apresentar justificativas quando não cumpridas. Apesar de aceitarmos como boa prática, não vemos um impacto significativo, uma vez que o volume total, mesmo que atingindo os 20%, representa pouca economia.
Uma outra medida foi a flexibilização dos limites de intercâmbio de energia entre os subsistemas. O critério que estava sendo adotado era o N-2, passando agora para o N-1, podendo chegar a N-0 no futuro. Tal situação facilita o escoamento da energia elétrica e a disponibilidade entre os subsistemas. As regiões Norte e Nordeste são as principais exportadoras de energia para o Sudeste/Centro-Oeste. Se por um lado a flexibilização do sistema ajuda na oferta de energia, por outro vemos redução na confiabilidade, o que poderia levar a falhas na rede, de forma isolada (os famosos “apagões”).
Por fim, destacamos duas medidas com impacto direto no consumidor cativo: (i) a criação de uma bandeira tarifária de escassez hídrica, com custo adicional de R$ 14,20 a cada 100 KWh consumidos que visa a desestimular o consumo de energia, dado que a bandeira vermelha patamar 2 tem um custo adicional de R$ 9,49 a cada KWh, e (ii) desconto na conta de luz, de R$ 0,50 por KWh, para quem reduzir o consumo de energia entre 10% e 20%. A medida vale entre setembro e dezembro de 2021, sendo o período de comparação os mesmos meses de 2020.
Conclusão
Diante disto, em nossa opinião, o risco de racionamento ainda é baixo, apesar de maior/menor probabilidade a depender do recorte. No período úmido, após novembro deste ano até abril de 2022, entendemos que a crise hídrica terá pouco impacto, mesmo com condições de chuvas muito adversas. Entretanto, vemos medidas extras (como o racionamento) com probabilidade maior de serem adotadas em outubro, bem como no período seco de 2022, dada nossa visão de maior estresse nestes períodos. Mas, mesmo em um momento delicado, não observamos ponto de ruptura. Para o próximo ano, o cenário ainda está em aberto, a depender do nível de chuvas e da utilização das térmicas.
Por um outro lado, os riscos de “apagões” são maiores. Dois argumentos base sustentam nossa tese: i) a flexibilização da transmissão de energia de N-2 para N-1, bem como uma maior importação de energia dos subsistemas Nordeste e Norte para o Sudeste/Centro-Oeste podem levar a falhas na rede, causando falta de luz em regiões isoladas no Brasil, ii) o consumo de energia no intraday se acelera na parte da tarde e faz pico próximo às 20 horas e, na contramão, como foi apresentado, a fonte eólica tem produção menor durante o dia e maior na madrugada, podendo levar à insuficiência de geração de energia no horário de pico, e, portanto, apagões de forma isolada.
Material preparado pelo Banco Inter S.A. e destina-se à informação de investidores